segunda-feira, março 31, 2008

O enigma Yoñlu


Vinícius Marques era um adolescente tímido que preferia escutar um bom disco a desperdiçar saliva em conversa fiada. E até os 16 anos ele deu um jeito de viver somente para a música ao criar um alterego que circulava com desenvoltura por mundos virtuais, divulgando pela internet as canções que compunha no computador de casa. Sob o apelido de Yoñlu, fazia sucesso na rede aproveitando como matéria-prima a solidão do dia-a-dia. Mas em dado momento Vinícius se deu conta que isso não bastava. Que viver de música não seria suficiente. Que ele precisava de amigos, precisava de um amor. Então, resolveu se matar. Mais de um ano depois desse desfecho, o imaginário musical de Yoñlu é lançado em CD: o garoto genial e solitário volta a viver, agora através da música.

Antes mesmo de chegar às lojas, as 23 canções de Yoñlu deixaram pasmos críticos e profissionais do meio musical. "Quando o pai dele me falou do material, imaginei um trabalho amador, um compositor ingênuo tentando caminhos. Fiquei surpreso com a personalidade musical, o texto adulto e as reflexões que eu jamais poderia imaginar. Aí pude compreender que tinha um artista pronto ali", constata o compositor Cláudio Levitan. A produção intriga pela diversidade, a quantidade de referências e a qualidade técnica do garoto-prodígio. Não há um perfil definido, a música de Yoñlu caminha entre folk, rock, pós-rock, eletrônico, pop e música erudita. "Ele está sempre alternando uma música mais alegre com uma pitada eletrônica, uma valsa ou um diálogo com algo mais intimista", define Sandro Belo, colecionador que está à frente da Allegro, gravadora goiana que lançou o CD.

Vinícius Marques transformou sozinho uma sala de computador em estúdio e fabricou, com softwares, uma banda que não possuía. O espaço onde passava a maior parte do tempo não tem mais de 10 metros quadrados. "Eu costumava dizer que aquela era a cadeira mais quente da casa", recorda a psicóloga Ana Maria Gageiro, a mãe de Vinícius. Do outro lado do corredor está a porta do quarto, salpicada de adesivos, onde se lê uma inscrição em uma língua ainda não decifrada pelos pais. Atrás dela, a cama, o armário e algumas prateleiras cedendo sob o peso dos CDs. Pela janela se enxerga uma rua qualquer da zona Norte de Porto Alegre. A parede segura um pôster autografado da banda Mogwai, expoente da estética do pós-rock – gênero que funde instrumentação hipnótica com recursos eletrônicos em oposição à estrutura do rock tradicional. Ao invés de lençóis bagunçados, um pequeno memorial com CD, reportagem, foto e violão sobre o garoto. Exceto isso, tudo permanece como foi deixado no dia 26 de julho de 2006.

Além de compartilhar um único corpo, Vinícius e Yoñlu comungavam a melancolia e a solidão – traço presente em sua música. Todavia, enquanto um era o jovem porto-alegrense com poucos conhecidos e ótimas notas no colégio, o outro era cidadão do mundo, com amigos e admiradores espalhados por páginas na internet. "Eu fiquei desolada com a notícia da sua morte, embora o conhecesse apenas pela internet", diz a designer holandesa Tanja Niggendijker, que travou contato com o compositor em um fórum virtual. Ela o define como garoto talentoso, com um ótimo senso de humor. "Um pouco negro às vezes, mas quem não é assim na idade dele?", completa. O próprio pai – o ex-secretário de Cultura do RS, Luiz Marques – só tomou conhecimento do pseudônimo quando Vinícius lhe pediu para postar um disco para a Escócia. O apelido virtual estava anotado no campo do remetente. O CD encaminhava a primeira versão da música Deskjet Remix às mãos do DJ Sabrepulse. Tomando o som de uma velha impressora manipulado por Yoñlu e acrescentando efeitos eletrônicos, o escocês encaixou a música em um estilo conhecido como IDM. Em seguida, incumbiu-se de executá-la em diversos clubes europeus.

Depois que Vinícius cometeu suicídio– um episódio que acabou virando notícia, pois o rapaz foi incentivado por internautas em um fórum dedicado ao tema – Marques mergulhou no mundo virtual do filho. Ligou o seu computador e descobriu um universo de cerca de 60 músicas gravadas, além de desenhos, poesias e fotografias feitas com uma máquina Lomo, da época da Segunda Guerra Mundial. "O Yoñlu tinha um ótimo olho para fotografia e não tinha medo de experimentar coisas novas. Ele gostava de aprender com os outros membros do fórum e, é claro, nós também aprendemos muito com ele", lembra Zann Tiang, um "lomógrafo" de Singapura que o conheceu por meio de um site de discussões na internet.

De herança, ficaram também dezenas de letras de música e partituras – da época em que Vinícius ainda não dominava os programas de gravação como Adobe Audition e Cool Edit Pro. As primeiras composições são de 2004, quando ele tinha 13 anos. Nos anos seguintes, as músicas denunciam uma evolução ligeira como instrumentista, compositor e cantor. "Eu nunca havia escutado falar de uma trajetória tão rápida, técnica e musicalmente", confessa Pedro Figueiredo, músico e técnico de som que trabalhou no disco.

Texto de LUIZA PIFFERO
Que está na APLAUSO de Abril já nas Bancas

Um comentário:

Anônimo disse...

ótima reportagem, ótimas músicas, triste realidade...