domingo, março 11, 2007

Até onde a usabilidade mata a criatividade?

Usabilidade é a arte de não inventar moda. Usabilidade é esquecer a criatividade e deixar tudo - menu de navegação, logotipo, conteúdo, etc - exatamente onde o usuário espera que esteja. Usabilidade é esquecer que uma das maiores competências do Brasileiro, de Mané Garrincha ao Robinho, é driblar (o zagueiro, o goleiro, a lei, a fiscalização), é não corresponder à espectativa, é fazer diferente, ser criativo. Será?
O que é usabilidade?

Interatividade é o diálogo entre dois sistemas. Seja um homem e uma máquina, seja máquina-máquina, seja homem-máquina…

Este diálogo se dá através de uma interface - no caso de interatividade entre um e outro homem o corpo é a interface. A usabilidade estuda o quão fácil e natural é a interatividade entre dois sistemas, ou seja, quão eficiente é a interface. Ouvi dizer que a usabilidade foi inventada - como tanta coisa - na guerra, porque os soldados estavam morrendo dentro dos próprios tanques de guerra, porque estes eram mal adaptados ao homem.
O que é a criatividade?

Criatividade é a superficie iridescente da bola oca. É um estrepe, é um prego, é uma ponta, é um ponto, é um pingo pingando, é uma conta, é um conto. Criatividade, alguns dizem, é juntar duas coisas completamente diferentes e transformá-las em uma terceira. Como Johannes Gutenberg, que juntou a escrita a uma prensa de espremer uvas e inventou a prensa gráfica. Criatividade é imitar um deus e dar vida a coisas inexistentes, conceber, é dizer haja luz, e a luz aparecer.
Usabilidade contraria a criatividade?

Para que uma interface funcione corretamente ela deve estar totalmente adaptada ao ser humano. Quando uma interface é muito bem adaptada será muito difícil fazer algo bom e muito diferente daquilo. Você já viu um carro sem volante e pedais? Todos os carros são praticamente iguais com relação à interface. Quando você entra em um carro, já sabe o que lhe espera.

Assim também é com um site. O usuário espera o logotipo no canto superior esquerdo, o menu de navegação numa coluna à esquerda, etc. Então, como será possível criar um layout diferente? Usabilidade significa falta de criatividade? Eu me lembro de menus em flash, ou em Java, muito legais até, mas que levam o usuário a passar minutos tentando fazer alguma coisa até entender onde está o (Wally?) conteúdo que ele procura.

E a paciência da maioria dos usuários (alguns preferem chamá-los de clientes) dura pouco mais que alguns segundos.

Então parece que a usabilidade torna a criação de um projeto muito diferente do padrão uma missão impossível, pelo menos se o projeto tem um compromisso sério em dar resultado, o tal do retorno sobre o investimento.
A eterna questão: design é arte?

Mas porque uma interface precisa ser criativa? Os tanques de guerra não são todos iguaizinhos? Não tenho a pretensão de dar uma resposta final ao tema - eterno companheiro das conversas depois das aulas nos tempos de faculdade - mas, na minha opinião, design não é arte. Calma. Antes de me xingar me dê uma chance de explicar.

A arte e o design têm funções diferentes. A função da arte é… existir. Ela pode ser bela ou incômoda, elevar o espírito ou escandalizar, explicar ou questionar, expressar um sentimento ou estudar uma linguagem, mas deve sempre ser poética. Seria preciso muito mais para explicar a função da arte e muitos artistas trabalham questionando justamente isso.

Mas o design existe por um motivo bem claro: projetar um objeto que alcance o resultado esperado, e em última instância geralmente este resultado é dinheiro. Porém, para atingir este resultado, geralmente (nem sempre) acrescenta-se arte ao design. Duas cadeiras: uma funciona perfeitamente e é feia; outra é um pouco desconfortavel mas é absolutamente linda, estilosa e está super-na-moda, qual é mais cara?

Pois é, design pode ter arte, mas não é arte, pelo menos não no mesmo sentido que chamamos de arte o som que sai do violão de João Gilberto ou uma instalação de Hélio Oiticica (pois a palavra “arte” tem muitos significados).

Até aqui eu compliquei mais do que trouxe luz à questão.
Forma e função

A primeira escola de design, a Bauhaus, pregava sua doutrina de que a forma deve se submeter à função. Isso significa que um site deve primeiro ter uma usabilidade perfeita e depois, se der, ser criativo? Será? Olhe mais de perto a doutrina… Mais, mais perto… Ah, função! É isso! A criatividade de um site depende da função dele.

O site de um músico, por exemplo, tem a função de expressar a linguagem daquele músico, expressar o sentimento, a tribo, a atitude, a poética específica daquele artista, e isso é mais importante no site de um artista do que a informação propriamente dita. O site da Camille não tem uma usabilidade muito boa, é muito criativo, muito diferente, e expressa bem o sentimento da artista. O site cumpre sua função, ainda que a interface não seja muito boa.

Já o site de um jornal, por exemplo, não tem motivos para ser muito decorativo, criativo, porque o principal é a informação. O usuário quer encontrar o conteúdo rapidamente, quer ter facilidade de leitura. Por isso a interface minimalista do Google funciona, a forma está perfeitamente sujeita à função - o alvo do Google é que o usuário saia do seu site o mais rápido possível, para o conteúdo que ele encontrou.

É aí que vemos mais claramente a diferença entre design e arte. Arte não tem briefing, não tem certo ou errado. Quando alguém vê uma mancha roxa pintada numa tela se pergunta: o que é isso? O que isso significa? Um monte, um camelo, um martelo? A morte, a vida, o sexo? Ué, uma mancha roxa numa obra de arte pode ser simplesmente uma mancha roxa.

Pode não ser nada além disso, não significar nada, não expressar nada. O legal da arte (no caso da mancha roxa) é que somente esta mancha roxa é o que é, e nada mais no universo é o que esta mancha roxa é. Engraçado como não nos perguntamos o que a 5° de Bethoven é, ou significa né…
Ouça o briefing

Mas o design tem que sempre ser alguma coisa, comunicar alguma coisa, ter uma função bem clara, atingir o objetivo. Ai do diretor de arte que não souber explicar o que aquela mancha roxa está fazendo na capa da revista ou no topo do site. O design pode ser ou não criativo, depende da função do objeto.

Se for possível colocar toda arte que corre nas suas veias no projeto e ainda tê-lo fácil de usar, ótimo. Mas se for preciso escolher entre criatividade e usabilidade, olhe para o briefing. Um bom designer sabe reconhecer um briefing pelos seus olhos de ressaca.

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