ANOS 50
O rock'n roll estourou, nas paradas dos Estados Unidos, com Bill Haley em 1955, embora, para registros históricos, ele esteja vinculado à primeira gravação de Elvis Presley em setembro de 1953, num acetato de dez polegadas. Música de grande combustão, mexeu com os quadris e a cabeça de todos. O rock'n roll é resultado da fusão do blues negro com o country e o western dos conquistadores brancos, mas aconteceu através de artistas brancos, cantores empunhando guitarras, rebolando e incitando o público à dança. Em 55, o novo ritmo dominava as paradas de sucesso americanas, posição que nunca mais iria perder.
No Brasil, o rock'n roll desembarcou via cinema, em fins de 56, com a música "Rock Around The Clock" puxando a trilha sonora do filme "Sementes da Violência" (Blackboard Jungle). A primeira reação da industria nacional foi copiar o novo gênero, regravando o sucesso com artistas nacionais. Assim, uma cantora de fossa, Nora Ney, gravou, em fins de 56, "Rock Around The Clock". Em inglês, naturalmente. Mas o novo ritmo tomou força, mesmo, com a chegada do filme "No Balanço das Horas" (Rock Around The Clock), que estreou no centro do país em janeiro de 57 e, em Porto Alegre, em fevereiro. Quando foi gravado o primeiro rock brasileiro naquele mesmo ano - "Enrolando o Rock", de Betinho e Seu Conjunto - as reações contrárias nos meios de comunicação e na sociedade já eram fortes. E assim, os primeiros sucessos comerciais do rock no Brasil seriam baladas românticas, entre elas "Diana", de Paul Anka, na voz de Carlos Gonzaga.
Porto Alegre não presenciou as mesmas reações de Rio e São Paulo ao filme "No Balanço das Horas": a rapaziada pulando nas poltronas, rasgando cortinas, berrando, batendo os pés e assoviando adoidado, ousando levantar as saias das garotas, enfrentar os seguranças e desafiar a polícia para dançar rock'n roll nas ruas e calçadas.
Até porque, o filme chegou aqui acompanhado de proibições aos menores de 18 anos, forma encontrada pelo juizado brasileiro para controlar um possível clima de "histeria coletiva" que se anunciava via imprensa. "O Novo Ritmo, de estranha sensação e trejeitos exageradamente imorais, exerce influência maléfica e prejudicial a juventude", justificaram os homens da lei.
O clima de delinqüência juvenil, que transparecia nos filmes de James Dean e Marlon Brando, o visual (jaqueta de couro, calça jeans justa, cabelo engomado geralmente com topete), a postura de contestação (jovens entregando-se a violência, às bolinhas e às experiências sexuais) e aquele ritmo alucinante do filme "No Balanço das Horas", fascinaram a garotada que crescera curtindo filmes de cowboys nas matinês. Vêm, daquela segunda metade dos anos 50, as primeiras informações de bandos de motoqueiros desfilando pela cidade. Reuniam-se no centro, junto à Praça da Matriz e nas esquinas da Cidade Baixa, trajados a rigor, incluindo correntes, soqueiras e o "pega-rapaz" - cacho de cabelo pendente na testa. Com suas garotas ("bagulhos") na garupa, rumavam para a zona sul, na beira do Guaíba, onde freqüentavam bares como o Pic-Nic no bairro Espírito Santo, as áreas próximas ao Sava Clube em Assunção e a SABA, na Tristeza, para ouvir e dançar rock'n roll. Mas eram poucos. As novidades em discos estavam em algumas lojas ou eram trazidas por amigos que viajavam ao exterior.
A cena musical de Porto Alegre, era dominada pelos conjuntos melódicos que animavam bailes e festas. Os crooners enriqueciam seus repertórios com canções de Frank Sinatra, Bing Crosby, tangos de Gardel, "blues" lentos (ou "foxes") de Nat King Cole, instrumentais de orquestra de Glenn Miller, a big-band de Perez Prado, música romântica italiana e sambas nacionais dos pesados discos de 78 rpm, enquanto garotos e garotas embriagavam-se com cuba-libre. A virgindade era tabu, o uso do biquíni o assunto de rodas de fofoca e das revistas; a lambreta, a moto-símbolo da nova geração.
Nas prateleiras dos primeiros supermercados, desembarcavam marcas famosas e as calças jeans eram adaptadas ao padrão nacional pela Far West.
Os melódicos mais famosos eram o Norberto Baudalf, o Renato e Seu Conjunto, o Flamboyant e o Flamingo. Tocados pelo sucesso do novo ritmo nos Estados Unidos, a maioria tratou de incluir o "hit" maior - "Rock Around The Clock" - em seus repertórios. Alguns iam mais fundo e tratavam de tirar o disco do novo astro Bill Haley inteirinho (o LP de Bill Haley & His Comets chegara logo após o estrondoso sucesso do filme "No Balanço das Horas"). Caso de Poposky e Seus Melódicos, que trazia a formação básica dos melódicos da época: acordeon e/ou piano (Claudio Slotowsky), guitarra e/ou violão eletrificado (Olmir "Alemão" Stocker), contrabaixo acústico de pau (Etevaldo Slotowsky), saxofone (Vladimir Latoada) e bateria (Carlos Calcanhoto). O que diferenciava alguns conjuntos da época era apenas a utilização, ou não, de instrumentos de percussão, geralmente pandeiro e agê.
O conjunto Poposky e Seus melódicos foi criado totalmente inspirado em Bill Haley & His Comets. Foi também o primeiro a investir na linha de shows, deixando um pouco de lado a animação de bailes. Na boate Marabá, que ficava na Siqueira Campos quase esquina com a Ladeira, animaram festas inteiras só com rock'n roll. Instrumental, naturalmente, porque nos 50 o rock em Porto Alegre não era cantado (e assim permaneceria até a chegada dos Beatles). Além dos sucessos citados, eles incluíam novidades recém chegadas dos Estados Unidos, como "Tutti Frutti", do endiabrado Little Richard e o indispensável romantismo de "Only You", dos Platters.
Outros conjuntos melódicos que acompanharam a nova onda foram o Stardust (liderado por Manfredo Fest) e o Melódico Mocambo, formados em 1956 por rapazes entre 13 e 19 anos. O Mocambo, liderado pelo quarteto Nicolau Kersting (piano), Gabriel Krause Almeida (bateria), Jocelyn Alencar (violão) e Gilberto Stone Braga (voz), enfrentou situações insólitas
em seu pioneirismo ao tocar rock'n roll. Em 1958, foi proibido de executar aquela dança pecaminosa, que deturpava os valores morais da sociedade, numa reunião dançante no colégio Cruzeiro do Sul. No meio da festa, o diretor transmitiu um recado ao conjunto: "Rock Around The Clock" estava barrada.
Em 1958, aparecem os irmãos Tony e Celly Campelo, puxando uma tendência acompanhada por Sérgio Murilo, Wilson Miranda, Demétrius e outros. Eles comandaram a cena brasileira durante quatro anos, com roquinhos para a família como "Estúpido Cupido" e "Broto Legal", todos versões de músicas internacionais. Em Porto Alegre, a brotolândia era filha do romantismo internacional, ainda expressada pelo crooners dos melódicos, cujo palco maior foi o Clube do Guri, na Rádio Farroupilha. Sua estréia? Elis Regina. O rock'n roll autêntico de Elvis Presley, Chuck Berry e outros estava sitiado nas festas particulares e raríssimos programas em rádios. Ídolo maior do rock'n roll, Elvis Presley somente alcançaria o público gaúcho com a chegada do filme "Saudades de um Pracinha" e a música "Its Now or Never", em 1961.
* Texto extraído da publicação A Música de Porto Alegre (Anos 50, 60, 70, 80 & 90), do jornalista Gilmar Eitelvain, editada pela Secretaria Municipal de Cultura de Porto Alegre.
2 comentários:
Falas que a idade dos integrantes do Melódico Mocambo ia de 13 a 19 anos. Tudo certo. Quem tinha dezenove era meu irmão, Jocelyn. Eu tinha 13, exatamente o mais novo e tocava contrabaixo. Só que não aparece o meu nome no texto.
É fácil conferir. É só consultar a Revista do Globo de Out/1957 e verificar nas fotos e no texto do Jornalista Flávio Carneiro sobre o nosso Conjunto.
Eu obtive cópias dessas páginas quando o site da PUCRS (sobre o acervo da Revista) quando ainda era de livre consulta na Rede.
Grato pela atenção em me ler.
Gilmar Etelvein publicou também o songbook de Fughetti Luz - uma biografia acompanhada de CD. Há um interessante resumo comentado a respeito que pode ser acessado nesse link:
http://pt.shvoong.com/books/biography/1954707-fughetti-luz/
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