Até a chegada dos Beatles, em 1963, o cenário musical em Porto Alegre foi uma extensão da música da década anterior. A juventude até curtia, principalmente nas festas, as musicas mais avançadas de Ronnie Cord ("Rua Augusta") e Eduardo Araújo ("O Bom") e também inspirava-se na formação moderna do conjunto The Clevers (mais tarde Os Incríveis) e seu rock instrumental. A jovem guarda, Segunda dentição do rock brasileiro, não teria peso decisivo nos caminhos do rock em Porto Alegre. Era considerada pobre, brega e suas versões, sem criatividade. Nas esquinas do Centro e Cidade Baixa e em bairros como Partenon, Glória e IAPI, no início dos anos 60, a garotada, que gostava de um som e teve sua iniciação no rock ouvindo e dançando ao som dos discos de Elvis Presley, estava mais a fim da bossa nova. O som que surgia pelas esquinas dos bairros vinha do violão, gaita de boca, percussão em latas, garrafas e o que pintasse. Típicas rodas de samba de MPB. Nas festas, porém, começavam a aparecer os primeiros quartetos de baixo-guitarra-bateria- mais adiante acrescidos de um sax - inspirados no rock instrumental de grupos ingleses e norte-americanos como The Ventures e The Shadows, modelos do primeiro conjunto de música "moderna" do país: The Clevers. Entre eles estavam Os Brasas, Os Cleans, Os Satânicos (depois Som 4) e o Liverpool. A fórmula era um meio caminho entre os melódicos e as futuras guitar-bands: adaptar o "hit parade" da época para a forma instrumental, ressaltando guitarras e sax. Os músicos que queriam formar um grupo começaram a procurar pelos instrumentos e equipamentos construídos artesanalmente por seu Adão Martins e seu auxiliar Zé das Guitarras. A fábrica chamava-se Mil Sons e ficava no Partenon, próximo ao cine Miramar. Antes da famosa fábrica nacional Gianini, a Mil Sons abastecia de guitarras e violões eletrificados todo o emergente mercado capital. Apenas a Del Vecchio, em São Paulo, era mais antiga na fabricação de violões eletrificados. | | |||
Da oficina de seu Adão saiu a primeira guitarra fabricada no Brasil, em 59, e a primeira guitarra com alavanca do rock gaúcho, em 65, feita especialmente para o conjunto Os Cleans. Em 64, os três primeiros discos dos Beatles já animavam toda e qualquer festa na cidade. Mas sua fama na cidade ganharia novos contornos com a chegada, naquele ano, do filme "Os Reis do Iê-Iê-Iê" (A Hard's Days Night). Botinhas, calça apertada e, principalmente, cabelos compridos para os padrões da época, o visual dos Beatles aliou-se ao som para impulsionar o maior fenômeno musical já visto por estas terras. Em cada esquina e bairro de Porto Alegre, garotos formavam conjuntos para tocar Beatles. Três anos depois, em 67, um levantamento catalogou aproximadamente uma centena de conjuntos e bandas atuando profissionalmente, apenas na capital: The Brazilian Beatles, The Best, Os Minis, The Coiners, The Dazzles, The Silvers, The Hoolygans, The Handsonnes, The Saylors, The Dragons, The Clevers, Os Felinos, As Brasas e As Andorinhas (ambos só de mulheres), Os Maníacos, Os Boinas Azuis, The Baby's, Alfa & Beta, The Thunder's, Os Tímidos, The Kinds, Os Incendiários, Os Alucinantes, The Robinsons, Os Corsários, The Tigers, Os Corujas, Os Morcegos, etc... Numa escala infinitamente menor, aqueles jovens viviam o que acontecia com os próprios Beatles. Havia público e muito trabalho. Não havia "bussiness", imprensa e gravadoras para registrar toda agitação. Eram mais do que o mercado poderia sustentar. Alguns artistas saíram direto daqui para o centro do país, deixando poucas recordações. Foi o caso da cantora Maritza Fabiani, espécie de subproduto de Wanderléa e Martinha, que as gravadoras garimpavam no auge da jovem guarda. Ela gravou vários compactos entre 66 e 69. Entre eles uma versão de "Era um Garoto e Como Eu Amava os Beatles e Os Rolling Stones". Na recém inaugurada TV Piratini, dois programas de auditório e ao vivo, Q Sucessos e Juventude em Brasa, faziam a fama de grupos como Os Brasas. | | |||
No final dos anos 60, os remanescentes da jovem guarda e os primeiros grupos originais, como o Liverpool, podiam ser vistos no programa GR Show, comandada por Glênio Reis na TV Gaúcha. A Rádio Difusora apresentava, aos domingos pela manhã, um programa de auditório ao vivo: o Lacta Clube, sempre realizado em colégios e cinemas. Ali fizeram fama Os Dazzles. Mas os programas no rádio e televisão davam prioridade àqueles que recriavam a jovem guarda. A mídia e a grande imprensa somente se dariam conta do fenômeno, em Porto Alegre, no seu auge, em 1966. Não havia consciência da existência de um movimento de juventude, que, se não articulado, pelo menos era numeroso. 1966 estava acabando quando os meios de comunicação registraram as primeiras passeatas estudantis contra a ditadura. Ao lado da notícia, os primeiros anúncios de refrigerante utilizando um jovem empunhando guitarra. Drogas, virgindade, homossexualismo e liberdade ainda não eram assunto para a turma ingênua do Iê-Iê-Iê. Discussões ideológicas tomariam forma e teriam momentos importantes com o tropicalismo. Com os festivais de MPB criava-se uma disputa ideológica entre a turma do rock, de um lado, e da MPB, de outro. Acusado de alienígena pelos intelectuais e estudantes nacionalistas, o rock continuava animando as festas. Os teatros e as universidades permanecerem templos da MPB. A situação começou a mudar quando o tropicalismo introduziu uma estética nacionalista para o pop rock, misturando Beatles com Carmen Miranda. Essa visão também se passava na cabeça dos primeiros compositores de rock em Porto Alegre. Só que não havia espaço para expressá-la. A composição pop rock apareceu com força na cidade nos festivais universitários da Arquitetura, em 67 e 68, um amadurecimento dos festivais estudantis dos colégios Israelita e Bom Conselho de 65 e 66. | | |||
Quando os rapazes do grupo Liverpool, amigos de infância do IAPI, um bairro classe média da Zona Norte, começaram a se ligar na nova música brasileira que chegava via festivais na televisão e incluir musicas de Caetano, Gil e Edu Lobo em seus bailes - ao lado de Stones, Steppenwolf, Beatles e Byrds - conseguiram mexer com o público. O Liverpool tocava muito nas festas do sindicato dos metalúrgicos e uma das músicas mais solicitadas era "Memórias de Marta Saré", de Capinam e Edu Lobo. Os Cleans e Os Brasas foram o estopim dos "conjuntos modernos" em Porto Alegre. Os Cleans surgiu entre 62 e 63, no bairro Glória, formado por estudantes entre 18 e 20 anos, fazia rock instrumental de guitarras, seguindo os passos dos Incríveis, o sucesso brasileiro daquele momento. Mais tarde, o sucesso dos Beatles, foi o primeiro a introduzir vozes na interpretação do novo rock. Os Brasas apareceu na mesma época, no Partenon, quando ainda se denominava Os Jetsons e era liderado por um garoto guitarrista de 15 anos chamado Luiz Wagner. Em 66, ao vencer a etapa regional do festival de conjuntos de jovem guarda (onde se inscreveram aproximadamente mil grupos), Os Cleans seguiu para São Paulo onde participou da etapa nacional do concurso. Classificou-se em segundo lugar e abriu as portas para gravar três compactos e acompanhar o pessoal famoso da jovem guarda. Na volta, o novo cenário musical pós-tropicalista obrigou o grupo a investir em bailes, formando numa fusão com Os Dazzles e The Coiners - o conjunto Impacto - exemplo mais famoso do sucesso comercial da geração Beatles. Sucesso nos programas locais de rádio e televisão, Os Brasas tinham subido um pouco antes, para São Paulo e Rio de Janeiro onde também acompanhou intérpretes famosos. Conseguiu lançar alguns compactos e um LP em 68. Na mesma época, em 63, nas esquinas da Cidade Baixa reuniam-se, para tocar violão, Hermes Aquino, Cláudio Vera Cruz e Renato Rodrigues (o português). Eles formariam Os Satânicos e, mais tarde, o Som 4. | | |||
Participava daquelas rodas de som um garoto chamado Carlinhos Hartlieb. No IAPI rolava a mesma história com os irmãos Milton (Mimi) e Marcos Lessa, Marco Antônio Luz (O Marquinho, também conhecido como Foguete), Vilmar Santana (Pekos) e Edson Espíndola, o Edinho. Os três amigos da cidade baixa, após assistirem no cinema a um documentário sobre os Beatles, em 63, resolvem montar uma banda inspirada no quarteto de Liverpool. Compraram violino, aproveitaram a caixa e mandaram seu Adão, da Mil Sons, construir um contrabaixo igual ao de Paul McCartney. Os Satânicos fizeram algumas apresentações, mas basicamente ensaiaram muito durante três anos. Tiraram o repertório principal dos Beatles, ouvindo-os em 16 rpm, o que reduzia a velocidade e possibilitava copiar exatamente os solos de guitarra. Depois, para finalizar o processo de cópia, subiam um tom e aumentavam a velocidade dos solos. Para copiar um baixo, invertiam o processo. Durante um ano, entre 67 e 68, já como Som 4, foram sucesso realizando shows nos bailes animados por outros conjuntos. Sem uma estratégia para a nova carreira, acabaram pouco antes dos próprios Beatles. Os garotos do IAPI faziam rodas de samba. O Liverpool já existia e era dirigido por um tal de Carruíra, baixista que morava nas imediações da Assis Brasil. Como todos os outros grupos, tocavam em festas. Mimi Lessa arranhava uma guitarra no The Best e Os Minis, pequenos conjuntos da zona norte. Carruíra convidou Mimi para tocar no Liverpool e aceitou que este levasse junto o irmão Marcos e o amigo- cantor Marquinho. Quando Carruíra desistiu do grupo, Pecos e Edinho vieram completar o grupo. Cem por cento IAPI. O Liverpool continuava animando bailes, mas eles estavam antenados ao que acontecia no país e ensaiavam com dedicação, no clube da empresa Zivi, no Passo da Areia. Em 68, o Liverpool participou do II Festival de MPB da Arquitetura, defendendo "Por Favor Sucesso", de Carlinhos Hartlieb. Venceu e ganhou o direito de participar do Festival Internacional da Canção no Rio de Janeiro. |
Se eu conseguisse escrever uma frase boa, conseguirira escrever duas, e se conseguisse escrever duas, escreveria três, e se conseguisse escrever três, escreveria pra sempre. Mas supondo que eu falhasse?
domingo, julho 16, 2006
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2 comentários:
Meu irmão eu tive uma mil sons em 1968 que ganhei como pagamento de uma dívida do José Atanazio, depois Joe Eutanasia, gostaria de obter foto dela , podes me ajudar ? Era vermelha e branca !
meu email é: palvez54@gmail.com
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